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Liberdade de expressão x Câmaras de eco na web

Foto do escritor: Prof. Raphael ChaiaProf. Raphael Chaia

Atualizado: 30 de jul. de 2023

Há algum tempo a internet foi tomada por uma polarização de ideias que está tornando insuportável todo e qualquer tipo de debate. Discordar de qualquer coisa que seja defendida pelo establishment imposto pelo politicamente correto é quase certeza de ataques pessoais ou prejuízos ainda maiores. Para melhor debater o tema, vamos tomar como exemplo um caso ocorrido em 2017, com um engenheiro do Google que acabou demitido após um manifesto supostamente misógino e sexista, em que aparentemente atacava a política da empresa de pluralidade de gênero. A imprensa deu larga cobertura ao caso, como podemos ver nas manchetes a seguir:



O engenheiro em questão, James Damore, confirmou junto à imprensa a sua demissão, no dia 07 de agosto de 2017, dizendo que foi dispensado pela Google por “perpetuar estereótipos de gênero”.


Considerando tantas adjetivações que a imprensa não economizou para noticiar o dito manifesto, e toda a polêmica que o caso levantou, a curiosidade falou mais alto e me motivou na época a ir atrás do texto da discórdia, e ver o que havia de tão errado com ele. Sinceramente, porém, a única coisa que vi de errado foi a reação que o texto recebeu.


Sei que só de falar isso já estou me tornando um alvo de críticas, e é exatamente isso que prova o meu ponto de vista: a internet se tornou uma grande câmara de eco, em que só quem pensa de forma igual tem voz. Pensamentos divergentes não são questionados pela lógica, mas pela agressão direta ao emissor da mensagem, uma elevação do ad hominem a níveis nunca antes vistos. Prova disso é que a maioria das notícias se limitava, na época do caso, a dizer que o manifesto do engenheiro atacava a diversidade, quando na verdade, a situação era um pouco mais delicada do que isso. Apenas esclarecendo, a expressão "câmara de eco" também conhecido como câmara de eco ideológica, nada mais é do que uma "descrição metafórica de uma situação em que informações, idéias ou crenças são amplificadas ou reforçadas pela comunicação e repetição dentro de um sistema definido. Dentro de uma câmara de eco, as fontes oficiais muitas vezes são inquestionáveis e opiniões diferentes ou concorrentes são censuradas ou desautorizadas" (PARISIER).

Preliminarmente, para quem quiser entender melhor o assunto, eu recomendo veementemente que não replique informações de terceiros - sejam eles a favor ou contra o que aconteceu - sem antes ler você mesmo o manifesto do engenheiro.

Uma coisa que notei, e que todas as reportagens falharam em informar, é que boa parte do manifesto apresentava pesquisas e fundamentos para apoiar as opiniões do autor - muitas destas informações e dados obtidos a partir de programas do próprio Google realizados com seus funcionários. A própria empresa encorajava seus funcionários a se manifestarem. Nota-se então que não é um texto puramente ideológico, ele aparentemente se preocupava em analisar causas e apontar soluções, como se nota no trecho a seguir, por exemplo:

Mulheres em média tem mais [...] Neuroticismo [termo técnico entre os “big five” componentes de personalidade] (maior ansiedade, menor tolerância a estresse). Isso pode contribuir para os níveis mais altos de ansiedade que as mulheres relatam no Googlegeist [programa de bem-estar de funcionários] e para o menor número de mulheres em empregos de alto estresse. (grifo nosso)

O ponto que mais me chama a atenção é que o foco do texto não me parece ser a diversidade ou as mulheres, como a imprensa destacou com tanto furor, mas exatamente o fato de que a empresa está levando suas atividades pautadas por um viés ideológico, que vinham agravando uma lacuna que aparentemente existia entre homens e mulheres, ao invés de diminui-la - como quando afirma: "Creio firmemente na diversidade de gênero e racial, e penso que devemos nos esforçar por mais. No entanto, para atingir uma representação maior de gênero e raça, a Google criou várias práticas discriminatórias". Isso se nota de fato quando o documento expressa que a empresa restringia alguns programas e aulas para funcionários a determinadas etnias e gêneros, ou seja, já impunha aos seus funcionários um tratamento desigual. No documento, o engenheiro não ataca mulheres, pelo contrário, ataca o viés ideológico da empresa, que, segundo ele, "implícitos (inconscientes) e explícitos estão prejudicando as mulheres na tecnologia e na liderança". Em seu documento ainda, ele afirma:

Filosoficamente, eu não acho que devemos fazer engenharia social arbitrária na tecnologia só para fazê-la atraente para iguais proporções de homens e mulheres. Para cada uma dessas mudanças, precisamos de razões justificadas para por que ajudam a Google; isto é, devemos otimizar para a Google — com a diversidade da Google sendo um componente disso.

Se ele está "atacando" a diversidade, por que colocaria a diversidade como um componente a ser considerado na otimização das atividades da empresa? A questão pode ser resumida em uma breve frase do manifesto: "o viés político da Google igualou a liberdade de não ser ofendido à segurança psicológica, mas reprimir as pessoas ao silêncio é a antítese da segurança psicológica".



As reações ao manifesto da imprensa e de boa parte dos ditos movimentos de justiça social apenas comprovaram isso quando todo o problema foi noticiado lá atrás, em 2017. Esta carta circulou apenas internamente nas redes de funcionários do Google até ser publicada pelo site Gizmodo. À época, muitas das publicações em português na imprensa tradicional e a maioria das publicações rotularam autor de machista, às vezes já nas manchetes, como pudemos demonstrar acima com alguns links listados. A incapacidade de separar notícia de uma opinião que busca promover um debate é assustadora, e, como já dito, confirma os vieses discutidos pelo autor.

Não pretendo analisar ponto a ponto o manifesto: há sim muitas colocações com as quais não concordo, principalmente com relação às competências de homens e mulheres e a natureza / tratamento dos dados coletados, mas no geral, é uma opinião que tem sim potencial para promover, no mínimo, um debate, vez que não se restringia a "atacar", mas apresentava de fato sugestões para promover a diversidade de forma não discriminatória - algo que também foi convenientemente omitido em várias publicações que noticiaram o fato.

É no mínimo incongruente uma empresa dizer que quer promover a diversidade (de gênero) quando boicota completamente opiniões e de ideias divergentes. Não existe "meia" diversidade, o termo é amplo e deve ser considerado sob todos os prismas. Se quero promover a diversidade, ela tem de ser total, de gênero, etnia, de ideias e de opiniões.

Defendo que a liberdade de expressãonão possui limites, mas tende a trazer consequências quando esta representa um crime ou uma violação a direito alheio: nesses casos, em que a pessoa usa do discurso para difamar, caluniar, etc., a lei deve ser aplicada, e ponto final. Agora, demitir o funcionário por emitir uma opinião internamente, entre os colegas - e tendo inclusive recebido apoio de muitos deles, que pensam de forma igual mas não se manifestaram por medo de represálias -, nos pareceu exagerado.

A internet sempre atraiu as pessoas pela liberdade que você tem de manifestação de pensamento, fosse esse o pensamento que fosse: o espaço sempre foi absolutamente democrático. Causa-me certa preocupação, porém, quando grandes players que detêm os meios de comunicação, como Twitter, Google, Facebook, passam a oferecer seus serviços enviesados por uma determinada ideologia. Afinal, serão eles quem vão escolher o que terá visibilidade ou não, o que terá alcance ou não, que vozes serão ouvidas ou não. "Somente os fatos e a razão podem lançar luz sobre esses vieses, mas no que diz respeito à diversidade e à inclusão, o viés de esquerda da Google criou uma monocultura politicamente correta que se mantém pela reprimenda aos discordantes, empurrados ao silêncio. Esses silêncio retira qualquer fiscalização contra políticas invasivas, extremistas e autoritárias."

Ninguém é obrigado a concordar com ninguém: o bom debate é sempre bem vindo. O importante é dar voz a todos que tenham uma opinião. Afinal, ainda que não concordemos com as palavras do próximo, é nosso dever lutar até o fim pelo direito de que elas possam ser ditas.

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